Era o nosso primeiro Europeu, foi como se tivéssemos descoberto uma “nave espacial” para ir até outro Planeta até onde estavam os “ETs” mais fortes que só víamos pela televisão.
Aquele golo do Jordão com a bola a bater na relva, a subir e a descer desde o céu na noite de Marselha, até entrar na baliza de Bats.
Nunca aquela geração tinha tido um sonho de futebol tão forte. Já passaram 32 anos. A bola entrou mas, no fim, perdemos. Ainda hoje quando revejo o vídeo desse jogo tenho sempre esperança que acabe diferente e que os franceses não virem para 3-2.
O tempo passa depressa. Absurdamente depressa. Mudou Portugal. Mudou a seleção. O seu interior, mentalidade e a forma como olhamos para ela, mas mudou assim tanto o nosso jogo, o estilo? Não, nesse remoto 84 chegamos a acabar jogos com Jordão, Gomes e Nené e hoje suspiramos tanto por um ponta-de-lança (entretanto “aconteceu” Pauleta) mas mesmo nessa altura também se identificava, como sempre, o futebol português (dentro do mundo latino) como um “futebol de médios”. Esta seleção de 2016 confirma, como, talvez, mais nenhuma outra desde esse tempo, essa tese. Temos, claro, avançados mas de perfil vagabundo (e existe, claro, Éder, que pode provar que, ao contrário da intenção em que é usada a designação, a fábula do “patinho feio” é uma história de sucesso). O que marca mesmo o “nosso estilo” continua no meio-campo.
Temos um onze cheio de médios, alguns descaídos sobre as faixas por imperativos tácticos do novo 4x4x2 (que surge em face das fragilidades do 4x3x3 sem um grande nº9) mas todos procurando depois centro. É essa, talvez, a maior limitação táctica da dinâmica deste 4x4x2 na variante clássica em “linha”: pouca profundidade do jogo interior. Ou Moutinho reinventa um novo motor dentro dele para conduzir a bola desde trás, ou tem de ser um falso ala a vir pegar no jogo dentro. É onde João Mário se pode tornar o “chefe táctico” do nosso jogo/meio-campo (sem 10, ou médio-ofensivo, ou segundo-avançado, as lesões travaram Dany ou Bernardo Silva, o losango é uma quimera táctica) e jogando num pensamento adiantado ao resto da equipa, antecipar os espaços (o momento da pressão) e as melhores opções em posse (o momento do passe).
A fabricação atlética de Ronaldo é a melhor forma de marcar o contraste de épocas e o passar do tempo
Desculpem falar tanto de 84 mas esse foi o “meu Europeu” (como 82 foi o “meu” Mundial). Chalana era quase como uma personagem de banda desenhada com a bola. Um bigode farfalhudo, cabelo comprido e a canhota a inventar. Aquilo era “Portugal” e ponto final, do Minho ao Algarve a jogar futebol. Também levava a namorada na altura (para os treinos, até).
Hoje o nosso craque é uma “pop-star”, ganha Bolas de Ouro, tem coleções de Ferraris, “top-models” e criou uma galáxia quase particular onde vive. Já descolou há muito da imagem de Portugal. É universal. Até uma criança sobrevivente de um tsunami tinha a sua camisola. Fisicamente é um Adónis que contrasta com o “roda-baixa” que era Chalana. A “fabricação atlética” de Ronaldo é a melhor forma de marcar esse contraste de épocas e o passar do tempo. Naqueles tempos, não era possível esta transformação.
Foi o lado multicultural do nosso futebol que permitiu este protótipo de jogador. Não tem nada a ver com formação no sentido de política global. O nosso estilo de jogo não pode, por isso, ter espelho, em Ronaldo, mas sim mais em Moutinho ou João Mário. Ou até nas “trivelas” de Quaresma, a melhor “expressão de malandrice” do nossos genes futebolísticos em campo. Também podia entrar num filme animado: “gipsy existencialista” no relvado.
Tudo isto são prismas diferentes de olhar para o jogo da nossa seleção. Numa frase que, personificando, gosto de repetir: João Mário é para nos fazer jogar. Ronaldo é para nos fazer ganhar.
P.S. Confirmo, em todas as vezes que revejo aquele jogo de 84... continuamos a perder no fim.