A “porta aberta orelhuda”

18 de Novembro de 2020




Sem o drama de derrotas anteriores com o pesadelo-francês. Desde o inicio, percebeu-se que, ao contrário de outros duelos contra o “exercito gaulês”, este não seria para heróis ou vilões individuais. Este era jogo para operários, personagens utilitárias que fazem o chamado “lado escuro” do jogo e lhe mostram a luz sem visível protagonismo individual mas com papel decisivo para iluminar a equipa.

Por isso, o melhor período de Portugal contra um “França compacta e móvel” foi quando entrou um desses operários táctico-rotativos: Moutinho. Há muito que ele não tinha assim um impacto tão grande no jogar global da seleção mas o jogo pedia isso. Também é verdade que entrou na fase em que os franceses mais recuavam para defender a vantagem, mas foi ele que, como gritava Fernando Santos desde o banco, voltou a “colar” a equipa: “João, joga atrás deles, o jogo está todo partido, assim não conseguimos atacar”.  Ouvia-se no silêncio deste novo futebol de bancadas vazias mas de “porta aberta orelhuda” para tudo que se diz no relvado, os gritos e desabafos de todos que o pisam. Já era tarde. Antes, os franceses já tinham ganho o jogo. Sem apelo.

A vitória gaulesa teve bases tácticas no comportamento atípico do seu losango a atacar. Em vez de meter dois avançados “em cunha por dentro” com Griezmann atrás como vértice ofensivo atrás desse losango, colocou a dupla atacante aparentemente distante. Isto é, enquanto Martial se fixava mais como nº9 nesse posto em cunha entre os centrais portugueses, o outro avançado da dupla, Coman, jogava aberto na faixa, sobretudo a direita.

Desta forma, arrastava marcações, invadindo outros espaços e confundia a defesa portuguesa de como marcá-lo tal o seu constante posicionamento/mobilidade alternado “fora e dentro”. Ao mesmo tempo, Griezmann dava passos atrás para pegar na bola e ia caindo nos espaços entrelinhas sem ser apertado antes. Com esta dinâmica, a França dominou ofensivamente a primeira parte e retirou capacidade de pressão ao meio-campo português, apropriando-se da bola e dos espaços.

Apesar destas evidências tácticas do “jogo global” existirá a tendência de contrariar a primeira frase deste artigo lembrando a bola largada por Rui Patrício que deu o solitário golo da vitória á França. É verdade, como foram antes as suas defesas salvadoras de “um-para-um” para manter o 0-0. Mais evidente no lance do golo (do qual Fernando Santos falou com um “enfim” e encolher de ombros) foi a passividade do lado direito do nosso processo defensivo, de Cancelo ao resto da ausência de apoios com “encurtamento” de espaços de controlo/triangulação aos franceses que entravam na nossa área). Dar, nesses locais, sucessivos “metros-quadrados de diferença” é fatal.

Kanté: Máquina

Gostei de ouvir, no fim do jogo, Fernando Santos falar na importância da “casa de máquinas”! No leme do losango francês, o “motorzinho” Kanté. Sempre no mesmo ritmo o jogo todo. Não precisa de dar “piques” porque parte sempre no momento certo para atacar o espaço e a bola. Tem a responsabilidade de, sem bola, ser um “mestre dos equilíbrios” táctico-defensivos. Tem a visão cirúrgica de, após pressionar/recuperar, sair para o jogo em posse e, altruísta, soltar a bola no momento certo sem ânsia de protagonismo. Na Luz, deu para também fazer um golo que festejou burocraticamente. Uma verdadeira “máquina de futebol subterrâneo” que emerge acima da relva.