A vida em apenas 90 minutos

24 de Outubro de 2020




Uma estratégia para um jogo só. A postura adaptada á dimensão internacional acima da identidade da curta realidade competitiva nacional.                                                                                                                                                                   

O mundo é demasiado grande. Consciente disso o FC Porto abordou o arranque da Champions como fazem, na dimensão nacional, o resto das equipas fora do núcleo dos grandes. Sem dilemas estéticos, montou um sistema com três centrais como tantas vezes vê os seus adversários adaptar no nosso campeonato, fazendo da expectativa, com bloco mais baixo, um meio para, unindo meio-campo e defesa, marcar muito bem á largura (tapando canais de penetração sem permitir “bolas descobertas”).

Perante um City de “rotação baixa”, conseguiu, sem ter de trincar a língua, aguentar, na primeira parte, esse posicionamento, encurtar espaços e sair para o contra-ataque mesmo com a baliza adversária longe. Foi Luís Diaz quem a tornou mais perto numa diagonal de simulações de remate-finta e, por fim, o remate mesmo, cruzado. (0-1)

É irresistível ver causas da viragem no resultado no penalty abominável que só deixou a estratégia portista estar a ganhar três minutos. Mas, para a eficácia resultadista da estratégia, ficará, na autoanálise, mais o lance de golo perdido de Marega junto ao intervalo. Seria chave para o reforçar da aplicação da estratégia na segunda-parte.

Seja como for, a equipa nunca deixou de perceber onde estava. Manteve a postura adaptada á dimensão internacional acima da identidade da curta realidade competitiva nacional. Sabia que o City não era só o que mostrara na primeira parte. Com outra velocidade e intensidade na qualidade circular-vertical do seu jogo é mais difícil as forças de bloqueio táctico adversária aguentarem. Na segunda parte, a estratégia portista já não encontrou as portas de saída para o contra-ataque. (2-1)

O contexto em que o jogo se disputou (e forma como o City o abordou) criara uma perfeita janela táctico-competitiva de oportunidade para o FC Porto exibir o “futebol de estratégia” inspirado no velho veneno das equipas portuguesas contra gigantes europeus, na forma como sabem se esconder para depois aparecer, matando-os em contra-ataque. Esteve perto disso.

Esta foi, porém, uma estratégia para um jogo só. Não vejo Conceição a repeti-la (a estratégia, não o sistema) noutro jogo esta época. Porque (salvo em fase mais adiantada da prova) não existem mais adversários destes. Não tirará, por isso, tacticamente muito daqui para outras realidades competitivas. Mesmo a de rever Corona na viagem de lateral-direto (numa linha de “5” que quer ser de “3” libertando laterais) até extremo-esquerdo. Ao pensar-se tão estrategicamente um jogo é natural que alguns jogadores (os melhores ofensivamente) percam muito do que podem/sabem fazer, em sacrifício do colectivo. Não há drama nisto, apenas realidade.