Quando se corre muito, o resto do jogo não fica mais rápido

23 de Outubro de 2016




Os grandes jogadores não precisam correr muito. Ou melhor, até podem precisar, mas de forma correta. Penso nisso enquanto vejo e comento o At. Madrid-Bayern Munique e vejo que, na tentativa de renascimento, Ribery não parava de correr um segundo. Sempre em movimento desde a esquerda (no 4x3x3 de Ancelotti) procurando zonas centrais, voltando depois para ala, ora recuando, ora avançando, e até, por vezes, aparecendo quase do outro lado, no outro flanco.

Como tem grande qualidade técnica, quando entrava nas jogadas, executava quase sempre bem e punha em sobressalto a defesa “militarizada” do At. Madrid. Quase sempre, porém, todas eram no meio de muitos jogadores, marcações apertadas, ressaltos, tabelas “à queima” e não resultava. Inclemente, o “exército de Simeone” atirava sempre a bola para longe.

Continuando a ver esta insistência de Ribery acaba por se perceber o que acontece. É simples. Em vez de procurar os melhores locais, espaços, para receber a bola e criar a partir daí perigo, procura sempre a bola e corre sempre para perto do local onde ela está, mesmo que seja em espaços onde a zona de pressão está no auge. É essa a diferença.

Em vez de correr atrás da bola, Ribery não deve parar de correr é atrás (em busca) dos melhores espaços para a receber. E, depois, ficar neles, pedindo-a, porque quando a equipa o vê, está desenhada uma boa linha de passe que, então sim, pode desequilibrar o adversário.

Ribery é, sem dúvida, um grande jogador, mas ao ter como principio das movimentações a bola e não os espaços, inverte a lógica da qualidade de jogo. Devia ser em função dos espaços. Ele move-se em função da bola. Mal a vê não resiste a ir ter com ela. Mesmo quando a bola (jogada) nem precisa dele.

Onde se coloca esforço e velocidade permanente, devia colocar-se inteligência e temporização de movimentos. Ribery é o caso do craque que precisa de correr menos para jogar... mais rápido. Nos espaços. E, depois, com a bola. A ordem não é arbitrária.

carrasco

Um dos melhores jogadores no atual futebol europeu a correr com a bola é o belga Carrasco. No At. Madrid nota-se mais porque aquele modelo de jogo que parte de linhas estrategicamente baixas (fazendo recuar os extremos para ficar de perfil com o duplo-pivot), faz com que muitas vezes ele parta/arranque com ela desde trás, ora acelerando na passada larga, ora levando-a colada, como que brincando com o ritmo de jogo, esperando pela equipa ou puxando-a, como se ela lhe atirasse uma corda para se atar a ele a subir.

A equipa de Simeone continua a ser um “barco pirata de futebol” na imensidão dos relvados europeus. É a melhor equipa para perceber na prática a estranha teoria de como se deve fazer “campo pequeno” a defender (concentrar o bloco de onze jogadores em 30 metros) e “campo grande” a atacar (aumentando a distância entrelinhas mal recupera a bola tal a forma como os médios, ou sobretudo os extremos, se libertam dos defesas e saltam vertiginosos no apoio à dupla atacante). Parece que o comprimento do relvado nessa altura aumenta.

Gosto de equipas que estimulem o pensamento tático de análise. Aquelas mais imprevisíveis, "camaleónicas tacticamente" durante o jogo ou nos planos que levam para ele. Por isso, é perturbante sentir esta atracão pelo jogo do At. Madrid. Porque eles andam, época após época, a dizer com antecedência como vão jogar, chegam ao jogo, não mudam, jogam da mesma forma, e de todas as vezes conseguem ser eficazes e o adversário, avisado, não os consegue nem ultrapassar, nem travar.

Não é só o carácter de Simeone a puxar pelo publico no banco com os braços no ar. É mais do que isso. O que sinto quando vou a um jogo do At. Madrid é como se fosse a uma sessão de uma “igreja evangélica”.