Gosto de pensar nas equipas através da sua personalidade própria. E, na verdade, ao mais alto nível, têm de ter mesmo para se impor. Possuir também, claro, a flexibilidade da estratégia que cada jogo (cada adversário) pede, mas nunca fugir à essência do seu modelo, que é, no fundo, o espelho da sua personalidade.
Neste sentido, uma equipa nunca deve tentar fazer algo que tacticamente não... saiba fazer, ou que possa, no jogo, fugir à sua personalidade. Quando o tenta e, naturalmente, falha, pode perder o controlo dum jogo que até então estaria a dominar. Foi o que senti suceder ao Mónaco de Jardim em Dortmund.
Não está em causa o valor táctico sólido e mecanizado (sem ser mecânico, porque continua a ter a imprevisibilidade dos movimentos dos jogadores), mas sim a forma como, no nível de Champions, depois de se impor pela sua personalidade (um 4x4x2 pressionante, com astúcia para baixar até um bloco médio-alto e depois sair rápido na transição a ligar o ataque veloz) quis, a ganhar, controlar o jogo na segunda parte (onde se esperava a natural reação ofensiva alemã), baixando o bloco, passando a jogar em organização defensiva e não em pressão, tentando congelar o jogo a partir do rigor das coberturas.
Perdeu, assim, o poder de saída/transição e contra-ataque, e acabou enfiada na sua caverna defensiva. Já lhe tinha sucedido o mesmo em Manchester. A qualidade de jogo (intensidade colectiva e talento individual) que possui não o obriga a isso.
É natural, a ganhar, proteger-se mais atrás da linha da bola, mas este Mónaco só existe na sua versão de qualidade competitiva com a sua personalidade. Não é capaz de se mascarar duma equipa diferente. Ou controla sendo sincero consigo mesmo ou perde o controlo do jogo quando tenta meter ideias que se sobrepõem à sua personalidade.
O jogo de Dortmund foi, aliás, um teste a esses princípios de jogo antes da qualidade dos jogadores, porque lhe faltavam titulares base (a âncora de recuperação e poder no meio-campo Bakayoko e os laterais que fazem voar a profundidade pelas faixas, Sidibé-Mendy, visto os alas, Lemar-Bernardo Silva jogarem os dois por dentro). Mesmo assim não tremeu na sua personalidade. Moutinho soube resgatar o seu futebol de controlo de ritmos e na frente Mbappé continua a "voar baixinho”. Acabou por ser ele, na tal fase de “concessão de personalidade”, a ganhar o jogo, aproveitando um erro alemão. É a maturidade aos 18 anos. O drible ao mito da experiência.
Este onze de Jardim tem as duas coisas: personalidade e qualidade. Não tem tanta necessidade de se adaptar estrategicamente aos adversários como, durante os jogos, muitas vezes faz. Tem muito mais valor do que isso. Tem o valor da sua personalidade construída.
Ronaldo e os olhos de Zidane
Cada vez mais, a produção estratosférica de Ronaldo necessita dum controlador de “conta-quilómetros de jogo” para se manter no nível alto que irrompeu em Munique. Por ele, não duvido que jogaria todos os jogos, todos os segundos. O passar dos anos exige. no entanto, uma nova sensibilidade de gestão física. É onde penso que entra a importância de ter nesta fase da sua carreira um treinador como Zidane.
Depois dos choques com Mourinho e Benitez, a arte do silêncio comunicadora de Zidane impõe-se pelo que ele representa. Ou seja, Zidane pode falar de igual para igual com o ego de Ronaldo e em vez de lhe dizer como tem de jogar num plano táctico-técnico, dizer-lhe sobretudo como tem de fazer para estar ao mais alto nível físico-técnico para depois o mostrar em campo nos grandes momentos.
O ego dos craques do presente estoura com qualquer tecto de balneário (e treinador). Zidane é o treinador-gestor ideal para um balneário e Ronaldo um jogador que faz do ego o alimento sucessivo para cada 90 minutos.
O jogo de Munique pode ser visto pela táctica, pelo penalty falhado, pela expulsão de Javi Martinez. Eu vi-o pela exibição de Ronaldo através dos olhos de Zidane.
Os “velhos da tribo”
Todos querem ter a bola, mas não no sentido da posse. Querem a bola para a trabalhar em colectivo. Depois, soltam-na rapidamente. Uma “posse rápida”. Quando a perdem recuam, organizam-se e pressionam. É a Juventus de Allegri. Fazer isto contra o “bipolar” Barcelona de Luís Henrique torna todo o seu modelo mais adulto.
É daquelas equipas que parece estar em campo como os “velhos sábios da tribo” que têm respostas para tudo. Numa aplicação prática futebolística desta metáfora, esta imagem traduz-se em diferentes jogadores capazes de dar... diferentes respostas conforme pede o jogo (e locais onde se disputa).
Desde a garra física de Chiellini ao jogo de desmarcações de Dybala, ou poder de Mandzukic, escondido desde uma ala (o seu posicionamento é o acto de maior intriga táctica da época), até à definição de como sair a jogar, o local onde a equipa terá mais duvidas (e por isso muda tanto). É onde vejo que um jogador como Pjanic pode ser (se protegido por perto num duplo-pivot assimétrico por Khedira ou Marchisio) a melhor solução, porque é aquele que melhor expressa tecnicamente esta ideia de respeito igual pelos espaços e bola.
Olhar vazio e parado
O Barcelona voltou a cair dando as mesmas más sensações que tem transmitido quando na versão de visitante. Para além do problema colectivo que emerge no meio-campo (sem a expressão de outros tempos), o mais perturbante é olhar para o campo e ver como Messi reage a tudo isto.
É uma perturbação que resulta do muito tempo que o vejo quieto, andando a passo, quase como se tudo aquilo não fosse nada com ele. Antes havia Xavi para o chamar para o jogo (via-o assim, metia-lhe quatro bolas e obrigava-o a acordar). Agora podia aparecer Iniesta nessa missão, mas raramente o vemos no jogo a procurar Messi nesse sentido.
E aqui o problema já é colectivo, no sentido de ver como num onze deste nível, em crise de operacionalização de identidade, não se cria uma “pequena sociedade” mais ativa que podia salvar a global. Iniesta e Messi parecem viver em mundos diferentes na mesma equipa, perdida em campo. Quando longe do Nou Camp, todos os adversários parecem maiores. .