… Estas três palavrinhas melódicas avivam-me a memória e levam-me de volta aos contos que me liam na infância e que faziam as delícias da minha imaginação. Quem não se lembra das histórias do nórdico Hans Christian Andersen, contos recheados de magia que continham sempre alguma virtude ali versada em jeito de lição de moral que nos formava e entretinha? É certo que o Mundo não se traduz numa mera dicotomia entre o Bem e o Mal, o Herói e o Vilão. Existem muitas zonas cinzentas e a vida vai trilhando os seus caminhos entre tantos meios-termos. Ainda assim, era um momento reconfortante escutar as deliciosas palavras desses livros imemoriais.
O tempo, esse “cobarde inimigo que ataca… fugindo” seguiu o seu curso e os anos foram passando. No entanto, por capricho do destino, desta feita bonacheirão, um nórdico veio novamente ocupar um lugar de honra no espaço idílico do imaginário comum. Personagem de carne e osso, não se edificou por palavras mas sim por atos e as páginas dos livros de encantar deram lugar a um palco relvado onde também todos os sonhos são possíveis. É Erling Braut Håland.
O avançado norueguês é duas vezes fantástico: por um lado, pelas suas performances extraordinárias e, por outro, em virtude sua aura de protagonista de uma qualquer ficção futebolística, tal o seu impacto no jogo e os números assombrosos que apresenta e vem apresentando. É incrível a forma como atua, qual predador, perante as balizas. Faz golos de todas as formas e feitios e revela uma frieza na cara dos guarda-redes que impressiona. Cinismo cirúrgico em campo.
Profissional de excelência e competentíssimo na hora de visar a baliza, Håland tem instinto matador. Movimenta-se sagazmente, desequilibra à espreita de uma brecha e quando vê uma oportunidade é tremendamente eficaz. Tudo isto levado a cabo com tamanha naturalidade que é como se se tratasse de apenas mais um dia, normal, corriqueiro, na sua vida.
Os seus gestos e o seu gordo pecúlio parecem obra de um qualquer autómato, tal é a simplicidade e a beleza das suas concretizações. É cativante ver Håland jogar. Uma prova de que o talento não tem idade.
Quando arranca com a bola controlada o ar torna-se diferente. Os momentos sucedem-se como frames, em câmara lenta, e podem-se ouvir as palpitações a compasso… Algo de muito especial vai acontecer.
Adolfo Serrão - Cronista Recepção Orientada