Quase sem darmos conta, o Natal está aí à porta. Por tradição é tempo de uma alegria efervescente, partilhada com os nossos. Uma época afetuosa com um cheirinho a nostalgia no ar que a todos nos abraça. Este ano será diferente. Mais resguardada. Estamos a fechar um ano exaustivo, cinzento, de uma adaptação constante a uma incerteza que a todos nos agita e inquieta.
No tapete relvado que tantas vezes reflete emocional e emotivamente a nossa própria vida replicaram-se estes difíceis circunstancialismos. Vivemos tempos atípicos, sem o burburinho das bancadas. Sente-se a falta do público, do grito efusivo de golo, do festejo caloroso da vitória, do consolo irmanado após um resultado desapontante. Foram tempos de perda. Vimos partir tantas referências deste jogo que tanto queremos. Atravessamos um longo período debaixo de uma chuva morrinha que insiste em nos cair em cima e ficamos como que atónitos assistindo a este filme que nos vai passando diante dos olhos.
A bola, contudo, não para, e os deuses do futebol até têm sabido, através dos seus insondáveis meios, oferecer-nos um simbólico prémio de consolação esquadrinhado delicadamente em frações semanais. No campeonato português, à semelhança do que tem acontecido nas principais ligas europeias, temos assistido a um recrudescimento da competitividade com mais equipas a disputarem os lugares cimeiros. Esta é sempre uma nota feliz. Nos tempos que correm ainda é mais urgente uma disputa entretida, sã e animada para nos preencher o tempo e a imaginação com belos momentos.
Exemplo paradigmático deste estado de alma foi o golo que Lionel Messi fez em Camp Nou, o seu 643.º com a camisola do Barcelona. O guarda-redes Jaume Doménech defendeu uma grande penalidade do argentino que mesmo assim, na sequência da jogada, um pouco atabalhoadamente, fez golo de cabeça. Num momento raro e até caricato alcançou um registo histórico. Messi é um nome maior na história do futebol mundial. Futebolista de requinte técnico único, já nos maravilhou inúmeras vezes pelo seu génio. Mas foi desse jeito, ao alcance do comum dos mortais, que atingiu mais um marco na sua carreira igualando Pelé como o jogador da história do futebol mundial com mais golos em representação de um só emblema. Ver passar aqueles breves momentos numa jogada que redundou num golo simples mas carregado de simbolismo lembra-nos que apesar das circunstâncias é sempre possível avançar e alcançar algo extraordinário e digno de registo. A metáfora perfeita para estes tempos ali representada por um dos maiores intérpretes que o jogo alguma vez conheceu.
Apesar de tudo há sempre uma nota de esperança a pontuar os nossos dias. Venham mais jogos, mais golos, mais emoções. Atravessamos juntos todo este longo ano de 2020 e o facto de, apenas e só, continuarmos por cá, é motivo de regozijo e ânimo. Saibamos aproveitar e desfrutar, colecionar vivências e memórias, futuras histórias para contar.
Boas Festas!
Adolfo Serrão
NOTA: Após a escrita deste texto, na visita do Barcelona ao Valladolid, os blaugrana venceram por 0-3 e Lionel Messi fez golo tornando-se assim no maior marcador ao serviço de um clube na história do futebol mundial