Guardiola prepara o estilo de jogo de uma equipa. Mourinho prepara a personalidade de jogo de uma equipa. Ambos são obcecados pelo jogo. Ambos formam equipas de qualidade a partir de conceitos diferentes. De viver e de jogar. A partir de como se trata a bola ou de como se olha para ela. Eis como se separam dois mundos. Os extremos, ao contrário do que diz a lenda, não se tocam. Distanciam-se. E olham de longe um para o outro.
Lembramos mais Guardiola pela forma das suas equipas jogar. Lembramos mais Mourinho pela forma como as suas equipas mostram a alma (e transformam-se com ela). Modelo versus estratégia.
Existe a equipa de Guardiola. E existem os jogadores de Mourinho. Ambos formam dois onzes, mas quando pensamos no que já fizeram noutras equipas e locais, as sensações são diferentes: de Guardiola lembramos o jogo das suas equipas. De Mourinho lembramos a forma como armadilham jogos e como ele os começa a jogar nas conferencias de imprensa. Ficam ambos para a história. Um pelo estilo. Outro pela personalidade. Tudo isto é uma análise “macro” de dois treinadores “supra-dimensionais”.
A “revolução com bola” do City na primeira parte começou, no corredor central, na ligação ente recuperação (em pressão alta) e capacidade de a trocar depois em zonas adiantadas: a ligação do triângulo formado pelo pivot Fernandinho, com os interiores Silva-De Bruyne e os desiquilibradores Nolito e Sterling na frente, nas faixas.
Guardiola não arriscou meter os laterais “por dentro” no inicio de construção e manteve a largura natural da defesa. Não tinha um nº9, nem falso nem verdadeiro, para trocar a bola (Ihenacho tem muitas limitações técnicas) e isso retirou-lhe um homem á sua revolução, que começou a tremer no final da primeira parte pela forma como se expôs aos erros atrás, aumentando no olhar e nas saídas ansiosas de bravo. E, de repente, o "rock and roll" de Ibrahimovic fazia aparecer (1-2) o carácter da equipa de Mourinho após tanto tempo de domínio do estilo de Guardiola.
Sentia-se que o jogo podia mudar. A partir do carácter que apareceu no onze de Mourinho e das entradas de quem trata melhor a bola, Herrera, e de quem inventa jogadas de um-para-um: Rashford. O inicio da segunda parte mostrou, subitamente, nesse duelo de conceitos, como o carácter pode intimidar o estilo quando é melhor enquadrado tacticamente para suster a técnica.
Fellaini e Pogba subiram a dimensão física da luta (não do jogo) no meio-campo e o 4x3x3 do United levou a partida para outro território, onde outra revolução se pode fazer, tendo menos a bola, mas mais o controlo rápido sobre ela.
Ao meter Fernando, Guardiola aceitava levar o jogo para esse território, dando mais “peso” ao meio-campo e metendo um “falso 9” (De Bruyne). O jogo perde o estilo e passa a ser disputado em cada bola dividida, mesmo quando os defesas do City continuam com a arrogância de querer a sair a jogar desde trás (junto com os erros do guarda-redes Bravo).
É perturbante como o estilo reage quando lhe mostram os dentes. Transforma-se. Mourinho meteu tanto “barulho tático” no jogo que os jogadores do City deixaram de se ouvir uns aos outros. Era difícil respirar com estilo contra tanto carácter e a diferença que Rashford fazia em cada jogada na faixa esquerda, indo para cima do estilismo defensivo. Guardiola sabia que o estilo passara a viver mais do contra-ataque do que da posse e viu a bola bater no poste e andar a “rir-se” quase pela linha de golo...
Numa paragem do jogo, o espelho fiel de duas almas: Guardiola apelava para os jogadores estarem mais juntos, para segurar a bola (e o jogo). Mourinho apelava aos jogadores para esticarem o mais depressa possível as “superfícies de passe” entre uns e outros, para chegar à baliza do instável Bravo.
O jogo foi até ao fim a sobrevoar a defesa do City. Então já era carácter contra carácter. Ganhou a cabeça atada de Otamendi.