Enquanto o jogo esteve dentro duma “caixa táctica” com a plantação defensiva ganesa imutável numa “linha de 5” e dois “trincos”, a seleção portuguesa reinventada para jogar com a sua “banda de criativos” completa, teve a bola mas não criou um lance desequilibrador. Quando, já a segunda-parte seguia igual, um penalty deu o golo e, num ápice, a “caixa tática” abriu-se até ao limite do caos. Tanto nos lances que deram para marcar golos como nos que deram para sofrermos.
É difícil inventar uma equipa com tantos jogadores de vocação ofensiva diferentes do habitual e esperar ter as rotinas certas defensivas pós-perda da bola.
A maioria das reticências que Fernando Santos sempre colocou em mudar o onze para, metendo todos esses craques com bola ir ao encontro dos desejos nacionais, tinha a ver com esses receios de perda de equilíbrios no meio-campo e defesa.
Com a “caixa tática” em farrapos para as duas equipas, os espaços passaram a abrir-se e João Félix e Rafael Leão isolaram-se em latifúndios de profundidade quando antes nem um metro-quadrado tinham.
A seleção do Gana, após estar a perder, também desfizera a sua melhor identidade tática defensiva, a tal “plantação a 5” para poder projetar os lateais (ficou a “3” na transição defensiva) e nem soube aproveitar (resgatando o sistema-fechadura) a possível superioridade mental que o empate podia dar.
O caos já tinha, no entanto, conquistado o poder e desfeito todo o jogo de equilíbrios metendo o resultado numa “roleta” até ao ultimo lance, quando Diogo Costa adormeceu, Inaki Williams escorregou, e a bola acabou confundida com a baliza aberta.
A constatação de que a substituição que teve mais impacto foi a dum jogador que tem como maior característica ser explosivo, Rafael Leão, mostra como decisivo foi o jogo ter-se “partido” e ter fugido totalmente dos planos (totalmente antagónicos) que ambas as equipas tinham trazido para o campo. Nenhum dos treinadores conseguiu então colocar a sua “mão tática” nele.
De boas intenções está o futebol cheio. Fernando Santos, a quem a gravata parece apertar sempre, teve a melhor delas ao alinhar este onze popular em contraciclo com as opções que antes s tivera. Viveu e ganhou com ele num sofrimento que, honestamente, só vi desanuviar-se um pouco do seu rosto quando se preparava para meter William Carvalho (falando com ele) na altura das queixas de Otávio. Ia, afinal, meter um dos seus “homens táticos” de confiança.
São assim os treinadores e quando as equipas são feitas mais seguindo os desejos do instinto do que as convicções, raramente revelam consistência, mesmo que, em tese, sejam as melhores pensando na sua composição. Faltam-lhes depois, porém, em campo, as suas fundações táticas totais. E isso ia sendo fatal.
O festejo dum “carrinho”
O futebol continua a ser tacticamente dos médios. Quando estes olham para o jogo como um objecto de estudo que sentem mais como ameaça, o natural é darem-lhe um “nó tático” a meio-campo. Foi o que sucedeu entre Coreia e Uruguai, equipas diferentes a viver o jogo mas, subitamente, iguais a senti-lo.
A Coreia é hoje uma equipa que junta o meio-campo com grande qualidade de separações de poderes: o trinco, Jung, o médio “formiga-operária” de transição, In-Beom Hwang (condução e passe) e do mais criativo, a sociedade Lee. Tirou, assim, primeiro a bola, e, depois, os espaços, aos médios uruguaios, onde Betancur e Valverde jogaram sempre demasiado recuados. A ironia que revela a maior preocupação do treinador uruguaio é ter sido o médio mais defensivo, Vecino, a jogar mais adiantado (não mais ofensivo, porque a intenção era para pressionar individualmente a saída de bola coreana).
São duas equipas para morder Portugal sem querer ter iniciativa. A próxima, o Uruguai, continua com a sua alma imutável, como mostrou a forma eufórica como Valverde festejou um corte de “carrinho” a meio-campo já no tempo de descontos. Antes tinha mandado uma bola ao poste, estava 0-0, mas o sucesso do gesto tinha sido mais forte do que ele. Um “carrinho” bem feito levanta um estádio no Uruguai!