O “jogo bonito” num remate à meia-volta

27 de Novembro de 2022




Já demos uma volta completa a todo o Mundial, vendo as 32 seleções. Desde os eléctricos japoneses de cabelo amarelo até ao supremo tango dramático de cada jogo argentino, o mundo sente que algo está a mudar no cenário do futebol planetário pela forma como já é difícil encontrar aquelas seleções filhas de Deus futebolístico menor que apenas surgem nas competições para garantir o colorir completo mundial.
Há, porém, atmosferas que permanecem imutáveis desde os princípios dos tempos com bola: os jogos da seleção do Brasil. As fintas, o samba, os jogadores a fintar e as mulheres cor-de-chocolate nas bancadas, jogo e dança, com uma vocação para o “jogo bonito” que regressa, implacável e sedutor, após a perturbante era da “dungazização” táctica que quase fazia o espírito canarinho afundar-se na “idade da pedra tática”
Com Tite, o perfume volta. A forma de tentar ganhar e a forma de se eventualmente perder, também. Isto é, o estilo volta a respeitar a história que faz sonhar com equipas feitas de avançados ou jogadores que mudavam o futebol só de tocar na bola. não sou do tempo do Vává, Pelé, Didi, ou Tostão, mas revejo na máquina do tempo-vídeo esses jogos e descubro como me apaixonar e rever nas equipa que entra agora esse espírito. O jogo contra a Sérvia já me ilusionava antes de começar (e aumentou com o seu decorrer).
De inicio, Neymar, Vinícius Júnior, Richarlison e Raphinha, mais Paquetá, avançado de berço, a jogar na dupla de volantes. Depois, ainda entraram Rodrygo, Martinelli e Gabriel jesus. O único ponta-de-lança de verdade ficou no banco, Pedro. O sistema pode ser um 4x2x3x1 mas na realidade em movimento pode ter um “cunco” a atacar, quando os laterais sobem e viu-se logo na primeira jogada ofensiva brasileira, com o lateral-esquerdo Alex Sandro a projetar-se ao mesmo tempo no ataque.
Até pode, nos próximos jogos, quando a exigência tática sem bola subir, Paquetá dar aquele lugar a um médio mais vocacionado para pressionar-marcar-sair como Bruno Guimarães, mas a ideologia de jogo não vai mudar. Uma equipa de articulação de construção interior e que combina sem vertigem da velocidade mas antes com obsessão da técnica.

 

 

Ter o nº9 puro goleador de área, como Pedro, será uma opção para jogos em que o adversário engarrafe o jogo muito atrás e a opção contra-estilo do modelo em fazer cruzamentos possa surgir. De outra forma (embora Pedro seja também um bom avançado-centro associativo) a ideia é ter Richarlison nesse espaço com mobilidade curta e poder de execução estratosférico como na forma em que recebeu aquela bola saltitante e vendo-a a passar-lhe por cima da cabeça soube bem como marcar encontro rematador com ela com uma roleta meia-bicicleta todo no ar (o velho pontapé de moinho aqui feito com um upgrade de ser em suspensão) e fazer um golo de encantar fadas e bruxas.

Do outro lado, atenção, estava uma equipa com temperamento, qualidade técnica e agressividade tática a defender com uma “linha de 5” com dimensão física nos centrais. A Sérvia gere-se pelo carácter de arrogância técnica de Milinkovic-Savic que se estende a todo o onze mas com o decorrer do jogo foi-lhe faltando cada vez mais capacidade para se estender no terreno. A opção de Tite em meter Vinícius no onze titular (era a principal duvida e por isso Paquetá recuou para não sair da equipa) foi o melhor sinal das intenções brasileiras para este Mundial que ainda sonha ter Neymar como protagonista a partir dos oitavos (ver texto ao lado).

O futebol sul-americano necessita desta travessura saída do futebol de rua para ver de acordo com a sua essência. A visão taticamente serena que Tite transmite, nas escolhas e no discurso pausado, sem gritos de guerra para ganhar na raça preferindo antes mensagens de pensamento como jogar respeitando a bola, garante que esta seleção brasileira vai respeitar a sua história (de Pelé e Garrincha, até Romário e Ronaldinho) sem ceder ao recurso “pica-pedra” que a certo ponto ameaçou tomar conta do seu futebol de lágrima fácil quando perde.