Naquela altura o mundo parecia maior. Tinha-os visto como grandes craques que faziam o que queriam nos nossos campos, mas depois, lá fora, esses heróis, como o Oliveira, Jordão, Alves ou o Chalana, falhavam no Bétis, Saragoça, PSG e Bordeaux.
Ás vezes por lesões, como o Alves que tinha brilhado em Salamanca, mas com o Chalana, que foi para Bordeaux após brilhar no Euro 84, ninguém percebia mesmo que lesão tinha verdadeiramente. Nunca mais seria o mesmo. Tirando a gazela do golo Jordão, tinham todos o estilo tipicamente português de técnica com bolinha no pé, num perfil de jogador mais de “roda-baixa”, mas que sem tempo para executarem não expressavam o mesmo tecnicismo de finta, controlo ou passe. O que se passava?
Éramos um “futebol de médios”, chamavam-lhe críticos internacionais, a quem, como dizia Pedroto, só faltavam... 30 metros (os últimos até à baliza adversária), para ser dos melhores do mundo. Era uma questão táctica ou de mentalidade? Claramente era mais da segunda. No jogo, dizia, havia forma de encurtar distâncias: “Devermos ser sempre fieis ao nosso futebolzinho que, quando inteligentemente interpretado nas bruscas mudanças de jogo (em que o passe largo, aspecto do futebolzão, tem o seu lugar imprescindível) faz emergir a nossa maneira peculiar de jogar”.
Nesse processo de crescimento, os primeiros jogadores portugueses a saltar fronteiras com êxito ao mais alto nível foram decisivos.
A primeira vez que o vi foi num Torneio de Verão na Póvoa, um clássico da pré-época. Depois de achar incrível (ok, caricato) ver aquele jogador tão pequenino cheio de caracóis na cabeça a quem o equipamento parecia ser dois números acima entrar em campo, quando começou o jogo, fiquei alucinado: “o que é isto?”. Com velocidade atómica, o “jogador pequenino” passava por todos com a bola, tabelas, desmarcações, criava lances de golo, voltava atrás, pegava na bola outra vez e partia tudo. Não parava um segundo. Jogava muito. Dava para deslumbrar e rir. Era desenhos animados.
Era o Rui Barros, um miúdo que o FC Porto emprestara ao Varzim. No ano seguinte, já estava nas Antas e mais um ano, a transferência para a grande Juventus que buscava substituto para Platini. Foi o Rui Barros (a quem o Avocatto Agneli só pediu para cortar o cabelo, “está um pouco grande para um jogador da Juventus, não?”). Assombrou o Calcio. Chamara-lhe a “formiga atómica”.
Era 1,59 m de formiga, perdão, jogador de futebol. O primado da dimensão física como chave para o sucesso do nosso futebol começava a ser desmistificado. Estava tudo no ritmo, mentalidade e entendimento global dos fundamentos (variantes/estilos) do jogo. O fado português parecia ser a moldura do nosso futebol até a “formiga” Rui Barros mudar tudo. em 94/95 já tínhamos o maior contingente português de sempre no estrangeiro, em Itália: Paulo Sousa (Juventus), Fernando Couto (Parma), Rui Costa (Fiorentina), Futre (Reggiana), Cadete (Brescia) e Rui Águas (Reggiana).

Ainda hoje penso na grande carreira internacional, títulos e jogos, que Futre teria feito se não tivesse passado no tumultuoso At, Madrid de Gil, todos os melhores anos da sua vida futebolística pós-FC Porto (de 87 a 93). Confesso que até ao fim o vi como um diamante natural em bruto. Ele foi nas então canchas de relva revolta espanhola, contra defesas que batiam duro e só faltavam atacar com um machado, o que a sua natureza lhe dava: velocidade estonteante, um pé esquerdo contorcionista e rebeldia pura. Começava e acaba jogadas à mesma velocidade ou parecendo em projeção acelerada. Com um habitat diferente (clube, treinos/aprendizagem de fundamentos de jogo e depois pausa) não duvido que teria sido muito melhor jogador e não só essencialmente a enormidade que o seu talento lhe deu. Naquele tempo, isso era em Itália. Saiu tarde demais e depois foi o maldito joelho. A nossa mentalidade, porém, já mudara. Futre desafiava o mundo como o português em Madrid e isso, naquele tempo, era quase como reviver futebolisticamente os tempos históricos em que dividimos o mundo com os espanhóis e até uma padeira os metia na ordem (dentro do forno dando-lhes com uma pá na cabeça, claro).