Uma equipa pode crescer com duvidas mas só quando estabiliza as suas certezas de jogo base é que se nota em campo essa evolução. O jogo com a Polónia voltou a revelar esse estado de dúvida existencial em que a nossa seleção cai. Ou porque falha o plano inicial ou porque essa recomposição no curso do jogo não se sente de imediato.
A forma vagueia entre sistemas (admitido por Fernando Santos que, contra a Áustria, os jogadores o confundiram, entre o losango pretendido e o 4x3x3, como contra a Polónia, passando neste caso de um híbrido 4x3x3 inicial onde queria um triângulo com William-Adrien-Renato que não aparecia, para o 4x4x2 (com “1x3” a meio-campo) são exemplos dessa indefinição que tem marcado o nosso jogo.
Uma equipa pode, no entanto, crescer taticamente sem crescer no estilo. No caso português, esse processo de crescimento (após a primeira fase) revela-se sobretudo no plano defensivo. O meio-campo protege-se melhor (com o posicionamento de Adrien e a rotação de Renato) e defesa cresce por si própria no tamanho de Pepe, seu sentido posicional e capacidade de matar toda a profundidade ofensiva adversária.
Debater o jogo de Ronaldo é inevitável quando o seu génio não aparece a resolver jogos, mas cada vez mais faz menos sentido o debate entre ele jogar no meio (como 9) ou a partir da esquerda (donde o seu poder de explosão sempre apareceu) porque a tendência é (como se nota) Ronaldo ficar, com a idade, menos explosivo, e, como todos os alas (ou jogadores que explodiram no auge da carreira desde as faixas) passar a jogar mais em zonas interiores.
Será difícil alguma vez imaginar Ronaldo como avançado-organizador, mas pensar neste seu momento da sua carreira nos seus movimentos mais em função da equipa e libertando espaços para outros aparecerem (o oposto do que sempre sucedeu até agora na relação Ronaldo-equipa) é o que começa a fazer mais sentido.
Em ternos de estilo, isto é, identidade, esta seleção é a menos definida das últimas décadas. A alteração da matriz táctica quase dogmatizada de 4x3x3 para 4x4x2, tem influência nisso mas não é a raiz do problema.
Tornamo-nos mais de uma “seleção de estratégia” e as duvidas de posicionamento/transição serem mais a defender tornou a questão mais sensível. Por isso, a ideia de termos hoje uma forma de jogar menos empolgante, mais conservadora (no limite da caracterização, uma “forma grega”).
Era imperioso passar a defender melhor. Mas não era necessário para isso passar o discurso de “ter de jogar feio para ganhar”. Porque ninguém ganha dessa forma, mas sim “apesar” de jogar dessa forma.
O nosso “estilo inestético” (distante da forma como chegamos a outras meias-finais) fazem parte dum processo de transformação táctica que, no fim deste Euro, ganhando ou perdendo, vai colocar uma questão mais profunda: é assim que queremos que a seleção passe a jogar? É este o novo estilo (e não o anterior de técnica apoiada na táctica com envolvência criativa) que queremos cultivar?
Temos jogadores para passar outra ideia mesmo com nuances diferentes de jogo, mas pensando no “transfer ideológico” do sucesso deste Euro na formação, Renato Sanches (pelo sua idade, impacto e estilo diferente e cativante) pode emergir como a nova referência, quase protótipo, do novo jogador português rotativo de meio-campo.
Por maior que seja Ronaldo, as exibições de Pepe e a figura-carácter de Quaresma, é Renato que simboliza “esta nova ideia de Portugal”, até no que transmite emocionalmente como joga, do alto dos seus 18 anos, sem medo de nada, assume, corre, insiste, remata.
Em face da perspectiva histórica chegar à Final do Euro, é impossível não pensar em tudo isto. Não só no que nos faz ganhar. Mas também no que nos faz sentir o nosso futebol.
E... estamos a sentir o nosso futebol neste Euro ou apenas o nosso coração? Se ganharmos, ninguém notará a diferença. Mas ela existe.
Renato Sanches, até no que transmite emocionalmente a jogar, pode ser o novo protótipo de médio português?