Na vida, quando alguém diz que se vai embora, é porque já foi há muito tempo. No futebol, não é bem assim. Porque existe sempre uma nova oportunidade, um novo jogo poucos dias depois. Após falhar um penalty e perder duas Finais (nessas decisões), Messi disse, logo no fim duma dessas noites em que o céu lhe caiu em cima da cabeça, que a seleção tinha acabado para ele. Todos sabiam que o problema da seleção argentina (gestão da sua federação) era muito mais profundo do que um desabafo existencial no fim de um jogo desses. A dimensão de Messi, jogador e fenómeno, era, porém ainda muito maior.
Meses depois ele regressou. E, no duelo mais antigo das “canchas”, contra o Uruguai, fez do jogo e da bola a mesma coisa. Marcou, fintou, passou e iluminou a equipa. Era o regresso de quem nunca tinha verdadeiramente ido embora.
Tenho sempre uma sensação perturbante quando se fala de Messi a partir dos golos que marca (ou não) e dos records que bate (ou não). Porque cada vez mais, Messi é “mais jogador” do que “goleador”. Cada vez é mais Xavi (pensando no universo-Barça) do que um avançado obcecado com o golo, como Suarez. Vejam bem como ele joga. Como pega na bola (e no jogo ao mesmo tempo, o que não é automaticamente a mesma coisa) quando recua no terreno. O que procura constantemente? Ter bola para depois fazer o passe, conduzir em posse serpenteada por entre zonas de pressão e fazer a sua equipa jogar através do que ele... joga.
O jogo com o Uruguai foi um espelho perfeito dessa expressão de Messi. As suas crises existenciais (numa Argentina que entra sempre com a pressão da exigência de ganhar Mundiais e Copa América) são efeito de como o “universo do jogo” é muito superior ao simples “universo do golo”.
Haverá sempre, na Argentina, a sombra de Maradona. E é impossível alguém, mesmo Messi, derrubar um mito num... pais de mitos (de Gardel a Evita, de Che a Diego). Quando hoje vejo Messi de cabelo pintado de amarelo e barba esquisita, parece que é como se ele quisesse fugir deste mundo. Reinventar-se. Ser o que foi, o que é, e o que pode ainda ser mais. Dentro da “cancha”.
Aquele jogo com o Uruguai era no Estádio Malvinas, em Mendoza, longe de Buenos Aires. Um estádio com nome que apela ao sentimento de bairro argentino transformado em sentimento patriótico.
Sem tanques e aviões, só com uma bola, vamos ver quem é mais forte, como fez Maradona em 86 contra a Inglaterra, nesse mítico jogo ainda com o conflito bélico na cabeça de todos. Por isso, quando marcou o golo com a mão que ninguém viu mas todos perceberam que seria impossível ter sido com a cabeça, todos argentinos sentiram que tinha de pôr ainda mais sentimento nesse grito de golo vendo como o árbitro duvidava. Sinto que sucede o mesmo com o atual futebol de Messi. A necessidade de por sentimento em cada jogada como se tudo fosse “mais do que um jogo e muito mais do que golo”.
“El patón” Edgardo Bauza mudou a equipa. Lidando com as ausências, lançou Lucas Pratto como ponta-de-lança (estreia na seleção aos 28 anos). É um nº9 corpulento que afasta dos adeptos a capacidade de sonhar mas apela à capacidade de lutar. Ambas sensações tem poder de sedução, mas necessitam de outros gestos técnicos em redor. Os piques de Di Maria (devolvido, em 4x2x3x1, á faixa esquerda) e a promessa de magia em cada jogada de Dybala, atrás do tal “nº9 pugilista á espera da bola”.
Ganhou bem, primeiro dominando e, depois (com a expulsão de Dybala) aguentando. Após pegar no jogo, agarrar o resultado.
É fácil perdermo-nos na análise da imensidão dum jogo de futebol, ou até na forma especifica de jogar dum jogador, se queremos ao mesmo tempo atentar a todos os pormenores. Quando se tenta ver Messi jogar isso sucede mutas vezes. Porque nem todo o conseguem ver... mesmo vendo o jogo. Pensem bem nesta última frase e entram na “quinta dimensão”, na “Twilight do fútbol”.